156 dias com você

 


Passei um tempo sem postar nada porque eu precisava de um tempo para me recuperar de uma perda que para mim continua sendo difícil. Quem já perdeu alguém ou algum bichinho importante sabe como eles fazem tanta falta, parecendo que levaram parte de nosso coração e levaram consigo. Principalmente nas ocasiões em que acontece algo de forma tão inexplicável e repentina, não nos dando tempo nem de agradecê-los e nos despedir de forma correta. 

Vou contar um pouco da história de uma gatinho que mudou as nossas vidas por completo aqui em casa em tão pouco tempo, o Dominó.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ele chegou em casa no dia 17 de janeiro deste ano, muito pequeno e machucado. Minha mãe havia socorrido ele depois que havia sido mordido por um cachorro. Por benção divina, ele sobreviveu então eu e meu pai o levamos rapidamente ao veterinário. No prontuário, precisávamos de um nome para que o veterinário pudesse chamá-lo. Curiosamente, olhei com pena para aquele pequeno animalzinho e observei sua pelagem preta e branca e dentro de 5 segundos inventei o nome que veio na hora na cabeça: "Dominó. Porque ele é branco e preto. Igual às peças."

Após algumas horas e alguns exames, o médico nos havia dito que ele não tinha quebrado nenhum osso ou que algum órgão interno tivesse sido perfurado, porém a perninha direita dele não respondia, parecia mole. Provavelmente algum nervo tivesse sido afetado pela mordida e ele não conseguiria andar, arrastaria a perninha para o resto da vida. 

Ao sabermos disso, levamos para casa e cuidamos dele, mas muito tristes por sua condição. Pensamos em levá-lo para a adoção, pois já tínhamos 5 gatos e um gatinho especial iria requerer mais cuidados do que poderíamos dar. Porém, uma luz surgiu no fim do túnel. Se existia reiki e exercícios de fisioterapia para curar e regenerar pessoas que sofreram acidentes, porque seria diferente com um gatinho? Por ele ser novo, seus músculos poderiam se adaptar ao andar. Se ele não poderia pular, pelo menos que ele pudesse andar para onde quisesse, não é? Cheguei a ver alguns vídeos de exercícios de fisioterapia para cães na internet e resolvi tentar enquanto cuidava dele. Aos poucos o nosso Minózinho parecia estar respondendo bem aos alongamentos. 

Mas quem realmente fez a diferença nessa etapa foi a nossa felina siamesa, Piu (que como vocês irão descobrir, somos péssimos para dar nomes decentes para os animais) que havia sido abandonada em nosso quintal em meados de novembro. Ela era um pouco mais velha que ele mas sempre o provocava querendo brincar. Por esse gesto, Minózinho começou andando desajeitadamente depois correndo mais e mais. Cheguei a prototipar uma espécie de tala com tecido para que mesmo que correndo não entortasse a perninha. Na primeira oportunidade ele acabou estragando meu protótipo, mas tudo bem.

Em menos de um mês ele já pulava no sofá e fazia tudo que um gato comum faz. Enquanto todos sentiam pena dele e achavam que não tinha mais jeito, ele veio para mostrar que com esforço, amor e persistência existia cura. Isso me surpreendeu muito. Minózinho foi contra as expectativas de todos e nos ensinou a ter fé. Ter esperança. Acho que essa será uma lição que levarei pelo resto da vida.

Acabou que ele ficou conosco e era muito dócil e amável. O primeiro gato a aparecer aqui em casa que minha mãe fazia questão de mimar, afinal ele sempre aparecia quando ela chamava. Ele era folgado, dengoso mas muito querido. Nenhum gato brigava com ele. Ele não reclamava de banho, até gostava. Se escondia dentro de vasos e potes. E adorava pão. Que gato engraçado!

Até quando ele fazia arte a gente acabava rindo. Certo dia, ele havia cortado em pedaços meu fone de ouvido novinho. Não sentia remorso algum. Na minha indignação cheguei até a fazer uma tirinha no instagram.

Porém, o tempo foi passando e ele começou a fazer coisas arriscadas. Sentava na beiradinha da sacada. Adorava ficar em lugares altos. Chegou a escalar pelo menos 3 vezes a árvore no terreno do vizinho que tem cerca de 15m de altura. Temíamos que ele pudesse se machucar se caísse de um lugar tão alto.

Em junho por causa do tempo frio, começamos a recolher os gatos para dormir nas caixinhas na lavanderia, todo final de tarde, por volta das 18h~19h. Os menores, a Piu e o Minó eram sempre os primeiros a aparecer.

Porém, naquele fatídico dia, algo aconteceu. Algo que pelo qual eu me arrependeria e até hoje me arrependo.

Certa tarde, por volta das 16h meu irmão estava no quarto dele e viu pela janela que dois cães estavam  andando no terreno do vizinho. Preocupada, resolvi verificar se todos os gatos estavam bem. Todos estavam dentro do nosso quintal, tranquilos tirando uma soneca no solzinho. Minózinho estava também, saudável, forte e feliz. Foi a última vez que eu o vi.

Como achei que estava tudo bem, disse para ele brincar no quintal e não saísse por causa dos cães, que brincasse dentro de casa, mas não foi o que aconteceu.

Voltei a fazer meus trabalhos e como não ouvi nenhum barulho, achei que estava tudo bem. Porém, logo depois que meus pais chegaram e chamamos os gatos de costume, só o Minó não apareceu.

Estranho.

Chamávamos e ele não aparecia. Quando algo assim acontecia, outro de nossos gatos, o Juju (Jiujitsu [eu avisei sobre os nomes]) costumava buscar o gato que estivesse fora e o guiava para casa. Mas ele não estava no quintal. Certo momento a Piu dava voltas na calçada de casa e aquilo nos chamou a atenção.

Quando fomos ver, era o Minó. Ele não respirava. Seus olhos estavam revirados. A boca inchada e com terra. Apesar do corpo quente, ele não estava mais ali. Foi um grande choque. Como, em menos de 3 horas algo tão horrível poderia acontecer? 

Ele não tinha marcas de mordida ou sangue. Mas aparentemente havia sofrido muita dor antes de partir. Até hoje não sabemos o que foi. Pode ser que ele tenha caído da árvore, mas não havia evidências. Alguém pode tê-lo envenenado. Não encontramos nada ao andarmos na vizinhança. E a posição do corpo dele indicava que tinha vindo na direção contrária ao terreno da árvore do vizinho. Enterramos o coitado no fundo do quintal, infelizes, sofrendo, com o coração na mão, em um morrinho que ele adorava tirar um cochilo. 

Só havia uma pergunta que não parava de rodear a minha cabeça:  "Por que não ouvi a voz do meu coração naquele dia e o recolhi mais cedo? "

Por mais que meus pais digam que eu não tive culpa, que algo assim poderia acontecer uma hora ou outra, não me conformo em não ter feito nada. 

Até mesmo agora, depois de 20 dias do ocorrido, minha mente rodopia e uma lembrança dele vem nas menores coisas: um pratinho de porcelana que ele comia papinha, um cantinho da casa que ele gostava, ouvir uma música que seja, e o que mais me corta o coração é ver a Piu sem seu amiguinho para brincar. Dói muito não ter ele aqui. Todos continuam arrasados, muito embora tenhamos que continuar seguindo em frente. O que mais me aflige é não saber se ele havia sido envenenado ou não. Porque se foi, eu temo não só pelos meus bichinhos, mas pelos outros do bairro também. Tem várias crianças no bairro. Não gostaria que elas sentissem a mesma dor que eu. O mundo é tão cruel...

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Peço desculpas por me estender tanto sobre o caso numa postagem de blog. Imagino que os que acompanham essa página estejam aqui para discutir sobre arte, ou talvez acompanharem minhas produções de arte, mas como eu criei esse espaço, imaginei que seria um lugar adequado para desabafar. Não é que eu goste de expor minha vida na internet, mas é que sinto que se não fizer nada do tipo, meu cérebro não irá parar de me punir. E se comparado às redes sociais, sinto que aqui eu posso ter esse respiro, sem que alguém me julgue fortemente.  Quem produz arte sabe o quanto é difícil lidar com seus sentimentos e manter seus prazos em dia em dias assim. 

Eu vim me esquivando por esse tempo em produzir algo novo. Não tinha interesse em continuar com os projetos que tanto me motivam e desafiam. No entanto, nesse meio tempo, voltei a rabiscar algumas coisas com materiais tradicionais e entre eles, a tinta. A tinta, para mim, é um oásis, com poder de cura incrível. Sempre que preciso respirar eu me refugio nela. E foi assim que surgiu a pintura em gouache do começo dessa postagem. Foi um momento de tristeza, indignação e culpa que acabou se transformando em saudade e gratidão. Enquanto observava a foto no celular e pintava no sketchbook, me lembrava de detalhes: os olhos de um tom amendoado que me lembram os do meu irmão, as patinhas e focinho cor de rosa super fofinhas e macias, dignas de um gato fofinho, o olho que parecia que era delineado e o outro que parecia que havia esquecido de delinear, a "franjinha" parecida com o menino dos Batutinhas e muitas outras coisas. Olhar para o Minó me trouxe coragem. Também tive muitos amigos maravilhosos que me enviaram mensagens de consolo e força nesse tempo, e a eles lhes tenho profunda gratidão. Espero poder retribuir algum dia. Muito obrigada de coração.

Muito obrigada a você também, Dominó pelas coisas que me ensinou, pela alegria que nos trouxe. Foram 156 dias com você, mas que vou me lembrar em cada dia da minha vida. E mesmo que seja uma mentira, se possível, eu gostaria de te encontrar novamente. Algum dia. Até lá.


Comentários

  1. Ai Karina, não sabia a historia completa, chorei aqui. Muita força p vc! Agora q percebi ele tem a mesma maquiagem q a Lizzy! hehe (alias aqui é a lorena)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigada Lorena, agradeço mil milhões de vezes pela força.^w^ Sim, os dois maquiadinhos! Tudo de bom e do melhor!

      Excluir

Postar um comentário